«Neste meu
estado, falam-me em viagens! Digo, eu próprio, que tenciono ir a Itália no
próximo ano; – e o mais curioso é que efectivamente alimento esse vago plano:
ir lá com os Mirandas. Na verdade, porém, que me interessam actualmente as
viagens? que me interessam pessoal e
profundamente? que poderão ensinar-me que eu não saiba, dar-me que eu não
tenha? (O que não quer dizer que não me possam entreter muito.) É aos extrovertidos que as viagens interessam: aos
cujo relativo vazio da vida interior se tapa com uma aparência de
enriquecimento. Eu sei que é em mim que tenho o mundo – o mundo que me é
possível apreender. Em mim vive toda a multidão dos meus personagens possíveis;
e são em multidão! Em mim se desenrolam os dramas, tragédias, comédias que
posso criar. Em mim há diversos meios, ambientes, paisagens…»
--- JOSÉ
RÉGIO, Páginas do Diário Íntimo, Vila
do Conde, 27 de Setembro de 1948.
«A ideia de
viajar nauseia-me.
Já vi tudo
que nunca tinha visto.
Já vi tudo
que ainda não vi.
(…)
Ah, viagem
os que não existem! Para quem não é nada, como um rio, o correr deve ser vida.
Mas aos que pensam e sentem, aos que estão despertos, a horrorosa histeria dos
comboios, dos automóveis, dos navios não os deixa dormir nem acordar.
(…)
Quando se sente
de mais, o Tejo é Atlântico sem número, e Cacilhas outro continente, ou até
outro universo.»
--- BERNARDO
SOARES, Livro do Desassossego.
Sem comentários:
Enviar um comentário