quarta-feira, dezembro 19, 2018

LEITURAS DE NATAL

Quando por estes dias vos sentardes à mesa para o sempre desejado ágape, bebendo do bom e do melhor, lembrai-vos, amigos meus, destas palavras do poeta: « Como são grandes os espectáculos do vinho, iluminados pelo sol interior! Como é verdadeira e escaldante a segunda juventude que o homem dele extrai! Mas como são também temíveis as suas volúpias fulminantes e os seus enervantes encantamentos. (...) O vinho assemelha-se ao homem: nunca se saberá até que ponto se pode estimá-lo e desprezá-lo, amá-lo e odiá-lo, nem de quantas acções sublimes ou proezas monstruosas é capaz. Não sejamos portanto mais cruéis com ele do que somos connosco, e tratêmo-lo como igual.» Palavras que dificilmente serão compreendidas por quem não bebe vinho. Tenho 3 ou 4 amigos nessa deplorável condição. Que o Natal lhes sorria com água mineral ou refresco CocaCola (este, diz-se, até está associado ao barbudo da Lapónia). Para além do mais, 
«Aujourd´hui l´espace est splendide!
Sans mors, sans éperons, sans bride,
Partons à cheval sur le vin
Pour un ciel féerique et divin!»
(CHARLES BAUDELAIRE, Les Fleurs du Mal, CVIII "Le vin des amants")

domingo, dezembro 02, 2018

quarta-feira, novembro 28, 2018

TOPÓNIMOS

Rua Luz Soriano, em Lisboa, Hospital de São Luís dos Franceses. Aqui, em 30 de Novembro de 1935 (quase há oitenta e três anos), faleceu Fernando Pessoa.


domingo, novembro 25, 2018

GILETS JAUNES

Eugène Delacroix, A Liberdade Guiando o Povo

Ao ler as notícias sobre as barricadas dos “coletes amarelos” em Paris, lembrei-me de 1848, a deposição de Luís Filipe (le roi-bourgeois) e o nascimento da Segunda República de Luís Napoleão, depois traída pelo próprio (Napoleão III) à semelhança do que fizera o seu ilustre tio no 18 de Brumário do ano VIII. Corrigindo Hegel, Marx escreveria: «Todos os acontecimentos e personagens históricos ocorrem, por assim dizer, duas vezes: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.» Lembrei-me ainda da reforma urbanística de Paris, levada a cabo pelo barão de Haussmann durante o Segundo Império. Uma das razões para tal reforma seria acabar com o dédalo das ruas da cidade, estreitas e tortuosas, onde facilmente os revoltosos levantavam barricadas e afrontavam as  forças da ordem. O movimento dos “coletes amarelos” parece desmentir a eficiência do projecto (Maio de 68 já o desmentira), embora os meios, hoje em dia, sejam outros: tanto do lado dos revoltosos, como do das polícias.



sexta-feira, novembro 23, 2018

A ENCICLOPÉDIA OU O TRIUNFO DA RAZÃO

«Solícito com os seus dois comensais, Vega de Sella, o director da Real Academia Espanhola, faz ele próprio as honras: uma chávena cheia e um cálice de marrasquino ao bibliotecário, don Hermógenes Molina, e um dedo de moscatel ao almirante Zárate, cuja austeridade - mal tinha provado o borrego verde e o vinho de Medina del Campo - é notória entre os membros da Douta Casa.» -- Arturo Pérez-Reverte, Homens Bons --, romance que narra a perigosa viagem a Paris de dois académicos (no último terço do século XVIII) para adquirirem e trazerem para a biblioteca da Real Academia os vinte e oito volumes da Encyclopédie. Uma história que promete.


segunda-feira, novembro 19, 2018

DIARÍSTICA


III
Compreendo que se deserte de uma causa para saber o que se sentirá servindo outra.
Seria talvez agradável ser alternadamente vítima e carrasco.
V
Relativamente à Legião de Honra: Se um homem tem mérito, para que serve condecorá-lo? Se o não tem, pode-se condecorá-lo, porque (isso) lhe dará um lustre.
LXII
Aviso aos não-comunistas:
Tudo é comum, até Deus.
LXXVI
Quando Jesus Cristo, diz: «Felizes aqueles que têm fome, porque serão saciados», Jesus faz um cálculo de probabilidades.
LXXXIV
Todos os imbecis da burguesia que pronunciam incessantemente as palavras imoral, imoralidade, moralidade na arte e outros disparates fazem-me pensar em Louise Villedieu, puta de cinco francos, que, acompanhando-me uma vez ao Louvre, onde ela nunca fora, se pôs a corar, a esconder a cara, e, puxando-me a todos os instantes pela manga, perguntava-me em frente das estátuas e dos quadros imortais como se podia exibir publicamente semelhantes indecências.

CHARLES BAUDELAIRE, O meu coração a nu.

sexta-feira, novembro 16, 2018

«M´espanto às vezes, outras m´avergonho»


Lido ou ouvido por estes dias -
1. Ex-dirigente desportivo, entretanto acusado de 98 crimes, depois de sair do tribunal onde foi interrogado: «Estes dias de detenção tornaram-me uma pessoa diferente. Não sei se para melhor, se para pior.»
2. Presidenta da Fundação Saramago: «Sou uma feminista radical.»
3. Um autodenominado grupo de Intervenção e Resgate Animal (IRA, retumbante sigla) pretende agir por meios violentos contra quem inflija maus-tratos a cães, bichanos e outras espécies saídas da Arca de Noé.
4. Comentador do programa 360º da RTP3: «Olho para uma tourada e vejo um crime... e uma obra de arte.»
5. PCP e CDS: «IVA da cultura deve baixar para todos, touradas incluídas.»
6. Incêndios na Califórnia: 59 mortos e mais de 300 desaparecidos. Terá sido pedida a demissão do governo?

quinta-feira, novembro 15, 2018

PINACOTECA

GERARDO MURILLO, dito Dr. Atl (México, 1875-1964), Erupção do Paricutín. Lê-se no romance O Pintor de Batalhas, de Arturo Pérez-Reverte: « Até esse momento [Faulques, o protagonista], nunca ouvira falar do doutor Atl. Não sabia nada dele, nem da sua obsessão pelos vulcões, nem das suas paisagens de gelo e fogo, nem do seu verdadeiro nome - Gerardo Murillo -, nem de Carmen Mondragón, aliás Nahui Ollin, a mulher mais bonita do México, que foi sua amante até o deixar por um capitão da marinha mercante com nome e aspecto de tenor italiano, chamado Eugenio Agacino.»


quarta-feira, novembro 14, 2018

É UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER, É FERIDA QUE DÓI E NÃO SE SENTE, ETC.

MUSEU BERARDO, EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA. Segundo o título do livro de Charles Bukowski, citado no folheto da exposição, «o amor é um cão vindo do inferno». Que não seja, ao menos, o tricéfalo Cérbero que guarda as portas do reino de Hades. Vi com algum agrado. Dois quadros de Paula Rego, um de Francis Bacon, outras obras interessantes. A selecção de artistas é internacional, aberta a diferentes culturas, porque, diz-se no folheto, «o sentimento do amor é universal.» À entrada, não falta o aviso sobre as tais "cenas explícitas". Acho que não havia necessidade.
=Fotos de 13-11-2018=

segunda-feira, novembro 12, 2018

EXPOSIÇÕES DE ARTE

Cupido, filho de Vénus e Marte, especialista em ferir de amor os incautos passantes da vida, ele mesmo ferido, não se sabe como nem porquê, nesta escultura de JEAN-BAPTISTE CARPEAUX (1827-1875) em exposição na Calouste Gulbenkian – “Pose e variações. Escultura em Paris no tempo de Rodin.” O sítio da Fundação explica a génese da obra, L´amour blessé: «No Verão de 1873, Carpeaux passou umas semanas de férias com sua mulher e seu filho Charles em casa de Alexandre Dumas (Filho) em Puys, perto de Dieppe. A ideia para esta obra surgiu-lhe quando a criança, após ter feito um ferimento no braço, lhe sorriu através das lágrimas. Passada ao mármore e exposta no Salon do ano seguinte (1874), a obra foi bem acolhida pelo público e pela crítica, uma vez que tinha os ingredientes trágicos necessários para agradar ao gosto burguês e um talento de execução notável, que justificou a execução de mais duas réplicas em mármore, ainda em vida do artista.» Esta peça, no entanto, corresponde à execução em gesso.
=Visita e foto de 11-11-2018=


domingo, novembro 11, 2018

"A STAR IS BORN" (2018)

Remake de uma história antiga - filmes de 1937 e 1976 -, este de 2018 tem como intérpretes principais BRADLEY COOPER (também realizador) e LADY GAGA. Visto hoje, com agrado, no cinema Monumental. 

quinta-feira, novembro 08, 2018


Não toquemos na vida nem com as pontas dos dedos.
Não amemos nem com o pensamento.
Que nenhum beijo de mulher, nem mesmo em sonhos, seja uma sensação nossa.
= Bernardo Soares, O Livro do Desassossego.

quarta-feira, novembro 07, 2018

segunda-feira, novembro 05, 2018

RELENDO MONTAIGNE

Fotos tiradas em Toulouse em Abril deste ano e capa da antologia dos Ensaios da Relógio d' Água. O humanista ANTÓNIO GOUVEIA (natural de Beja), irmão de ANDRÉ GOUVEIA, leccionou no Colégio de Guyenne (Bordéus) onde o irmão era Principal e veio a passar por Toulouse talvez para aprofundar a sua formação em Estudos Jurídicos, talvez por a sua simpatia pela Reforma Protestante não ser bem vista naquela cidade. Deve ter sido mestre de Montaigne no Colégio de Guyenne, frequentado pelo autor dos Ensaios entre 1539 e 1546. Ou então mesmo em Toulouse, durante o curto período que ali residiu, cidade onde Montaigne terá feito estudos de Direito. Isto o que sumariamente apurei de algumas pesquisas feitas.


sábado, novembro 03, 2018

TeSoUrOs LITERÁRIOS

Comprado pelo meu pai em fascículos e depois cuidadosamente encadernado em 3 volumes. Confesso que não li, mas, pelos meus 14 ou 15 anos, outros li que havia lá por casa, e até de maior número de volumes. Referido por Saramago em As Pequenas Memórias: « (...) A Toutinegra do Moinho e cujo autor, se a minha memória ainda esta vez acerta, era Émile Richebourg, de cujo nome as histórias da literatura francesa, mesmo as mais minuciosas, não creio que façam grande caso, se é que algum fizeram, mas habilíssima pessoa na arte de explorar pela palavra os corações sensíveis e os sentimentalismos mais arrebatados. A dona desta jóia literária absoluta, por todos os indícios também resultante de prévia publicação em fascículos, era a Conceição Barata, que o guardava como um tesouro numa gaveta da cómoda, embrulhado em papel de seda, com cheiro a naftalina. Este romance iria tornar-se na minha primeira grande experiência de leitor.»

sexta-feira, novembro 02, 2018

INSTANTÂNEOS


Rodagem do filme "FÁTIMA" em Tomar. A principal praça da cidade convertida em simulação de um local de Ourém, anno Domini de 1917. Ele há coisas...
=Fotos de 30-10-2018=

segunda-feira, outubro 29, 2018

domingo, outubro 28, 2018

PINACOTECA

Pintura de HENRI FÉLIX EMMANUEL PHILIPOTEAUX (1815-1884).
Alphonse de Lamartine, o das Meditações Poéticas, ministro dos Assuntos Interiores do Governo Provisório de 24 de Fevereiro de 1848, rejeitando a bandeira vermelha dos revolucionários junto do Hôtel de Ville da cidade de Paris. A burguesia aos ombros da classe operária e do povo, pois então. Depois viria a II República e a vitória eleitoral, esmagadora, de Luís Napoleão Bonaparte, sobrinho do dito. E o golpe de 2 de Dezembro de 1851: o presidente da república guindado a imperador. Marx escreveria em O 18 do Brumário de Louis Bonaparte: « Hegel fez notar algures que todos os grandes acontecimentos e personagens históricos ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, as segunda como farsa.»


quarta-feira, outubro 24, 2018

BORGES: NADA O MUY POCO SÉ DE MIS MAYORES PORTUGUESES

Se é verdade o que nos é contado em “O Aleph”, então o monumento a JORGE LUIS BORGES, levantado há alguns anos no Jardim do Arco do Cego, em Lisboa, estará contido, por razão acrescida, naquele ponto da casa da calle Garay de Buenos Aires de onde se avistam todos os infinitos locais do universo sem transparência nem sobreposição. 
Isto é, se a casa da calle Garay ainda existir.
= Fotos de 22-10-2018 =

segunda-feira, outubro 22, 2018

REVISITAÇÕES


Dez anos depois volto a este texto. Temas e passagens reproduzidos quase com as mesmas palavras da "Nobel Lecture" de 7 de Dezembro de 1998 na Academia Sueca; a oposição campo / cidade, de Azinhaga e Mouchão de Baixo às dez moradas (em pouco mais de dez anos) na "metrópole lisboeta". Há coisas surpreendentes: aquelas, por exemplo, em que o memorialista alude aos desvios éticos do progenitor e maus tratos infligidos à esposa. Há coisas bonitas: aos dezoito anos, Saramago namorava com Ilda Reis e tinha uma relação de amizade com um pintor de cerâmica da fábrica Viúva Lamego, um tal Chaves a quem encomendou um prato em forma de coração para oferecer à namorada. Tinha pintada uma quadra da sua autoria: «Cautela, que ninguém ouça / o segredo que te digo: / dou-te um coração de louça / porque o meu anda contigo.» 


quinta-feira, outubro 18, 2018


«Quando se está só, está-se a dois. Quando se está a dois, está-se a três. Quando se está a mais que dois, está-se só.»
--- Da folha de sala da exposição SARA BICHÃO / MANON HARROIS na Fundação Portuguesa das Comunicações.

quarta-feira, outubro 17, 2018

RECEITA DE SOPA


Lá iam as duas, no declive dos anos, de passinho curto e conversa branda. Uma curgete, uma cabeça de nabo, uma batata doce… A sopa é muito boa para a saúde, tem vitaminas e favorece o trânsito intestinal. Um dente de alho e dois pés de salsa… Esta parte da receita já não ouvi, é imaginação. Conversa lenta, hidratante. Traziam nas mãos umas revistas coloridas. Consegui ver o título de uma delas: A SENTINELA.


terça-feira, outubro 16, 2018

O PRINCIPEZINHO (IV)





No asteróide 326 vivia um vaidoso.

«Ah! ah! Cá temos um admirador - exclamou o vaidoso mal avistou ao longe o principezinho.
Porque, para os vaidosos, todos os outros homens são admiradores.» 

segunda-feira, outubro 15, 2018

PINACOTECA

PAOLO UCCELLO, tríptico de A Batalha de San Romano (1435-1455/60), hoje repartido pela Galeria dos Ofícios (Florença), pela National Gallery (Londres) e pelo Louvre. Obra de arte referida no Capítulo 6 de O Pintor de Batalhas, de Arturo Pérez-Reverte. O tríptico representa o episódio militar ocorrido a 1 de Julho de 1432 em San Romano, no vale do Arno, entre os exércitos de Florença e de Siena.

domingo, outubro 14, 2018

VOU LENDO


Tanto quanto me permite a leitura do 1º capítulo, avisto um diálogo (eventualmente conflitual, seguramente complementar) entre a pintura e a fotografia. Predadora, ainda que testemunhal, a arte de fotografar em cenários de guerra. É interessante que na sexta-feira passada, no Clube de Leitura do Museu Ferreira de Castro (Sintra), Julieta Monginho, autora de Um Muro no Meio do Caminho, tenha manifestado o seu pudor em fotografar os refugiados do campo da ilha de Chios (Grécia) onde trabalhou como voluntária. Em Pérez-Reverte, O Pintor de Batalhas, o protagonista Faulques descarrega a sua velha Leica 3MD com objectiva de 50 milímetros sobre uma rapariga deitada numa esteira num campo de refugiados do sul do Sudão: « A rapariga era jovem e de uma beleza translúcida apesar da cicatriz horizontal que lhe marcava a testa e dos lábios fendidos (…) pela doença e pela sede. E tudo, a cicatriz, as gretas dos lábios, os dedos finos e ossudos da mão junto ao rosto, as linhas do queixo e a ténue insinuação das sobrancelhas, o fundo do entrançado romboidal da esteira, pareciam confluir na luz dos olhos, no reflexo de claridade nas íris negras, na sua fixa e desesperada resignação. Uma máscara comovedora, antiquíssima, eterna, onde convergiam todas aquelas linhas e ângulos. A geometria do caos no rosto sereno de uma rapariga moribunda.»


sábado, outubro 13, 2018

GRANDE PLANO

JOANNA KULIG em Guerra Fria (2018), filme polaco realizado por Pawel Pawlikowski. Em exibição no Ideal e no El Corte Inglés. Gostei de ver.

quarta-feira, outubro 10, 2018

O PRINCIPEZINHO (III)

O rei do asteróide 325:
«O rei, vestido de púrpura e arminho, encontrava-se refastelado num trono muito simples, mas majestoso.
- Ah! Cá temos um súbdito! - exclamou o rei, mal avistou o principezinho.
E o principezinho pensou com os seus botões:
"Como é que ele pode saber quem eu sou se nunca me tinha visto?"
Ainda não tinha apreendido que, para os reis, o mundo se encontra extremamente simplificado. Todos os homens são súbditos.»

terça-feira, outubro 09, 2018

O PRINCIPEZINHO (II)

Sobre a flor do principezinho, uma flor de que só há um exemplar em milhões e milhões de estrelas:
«Nunca lhe devia ter dado ouvidos. Nunca se deve dar ouvidos às flores. Deve-se é olhar para elas e cheirá-las. A minha, perfumava-me o planeta todo, mas eu não era capaz de dar valor a isso. (...) Não fui capaz de entender nada. Devia tê-la avaliado não pelas suas palavras, mas pelos seus actos. Ela perfumava-me e dava-me luz! Eu nunca devia ter fugido! Devia era ter sido capaz de perceber toda a ternura escondida naquelas suas pobres manhas. As flores são tão contraditórias! Mas eu era novo de mais para a saber amar.»

segunda-feira, outubro 08, 2018

O PRINCIPEZINHO (I)

A metáfora dos três embondeiros que começaram por ser arbustos e depois cresceram até tomarem conta do pequeno planeta. Este era habitado por um preguiçoso que não se ralou com eles e o resultado está à vista.


quarta-feira, setembro 26, 2018

"NA PATAGÓNIA"


Uma das histórias surpreendentes narradas em Na Patagónia é a do militante anarquista Simón Radowitzky, nascido na Ucrânia, de família judia, em 1891, e falecido na Cidade do México em 1956. Diz o autor que na Argentina de princípios do século XX as palavras russo e judeu como que eram sinónimas. Só que este judeu não era como os de há dois mil anos que mataram o Justo. Radowitzky matou à bomba o injusto chefe da polícia de Buenos Aires, coronel Ramón Falcón, tendo sido preso na colónia penal de Ushuaia, na Terra do Fogo. Corria o ano de 1909. Torturado e sodomizado punitivamente pelos seus carcereiros, fugiu da prisão com o apoio de correlegionários, voltando a ser preso e finalmente indultado pelo presidente Yrigoyen, em 1930, «num gesto de boa vontade para com a classe operária». Radowitzky quis voltar à Rússia, desconhecendo que na pátria revolucionária se tinha dado o massacre de anarquistas em Kronstadt. Combateu em Espanha e veio morrer ao México, no mesmo país onde dezasseis anos antes fora assassinado Trotsky.