domingo, maio 14, 2017

FRAUTA MINHA, QUE TANGENDO (5)

 
 
«Algum dia o poema será a buganvília / pendente deste muro da Calçada da Graça. / Produz uma semente que faz esquecer os jornais, o emprego e a família, / e além disso tudo atapeta o passeio alegrando quem passa.» Só que a buganvília da fotografia, se é que é mesmo buganvília, não atapeta o passeio da Calçada da Graça, mas o tejadilho de um automóvel estacionado no passeio da Calçada da Tapada, perto da Rua da Creche, caminho da Igreja de Alcântara, numa tarde de luz sob um pálio movente de nuvens esparsas. É tudo tão singular quando chamamos as buganvílias em nosso auxílio. «Mas antes desse dia há-de secar a buganvília», diz o poeta, e também há-de acabar a Calçada da Tapada, o automóvel, o muro e o gradeamento que cavalga o muro, digo eu. «Então, quando nada restar, nem o pó de um sorriso / que é o mais leve de tudo que se pode supor, / será esse o momento de o poema ser flor, / mas já não é preciso.»
--- Os versos citados são de ANTÓNIO GEDEÃO, Linhas de Força, "Poema da buganvília".
 

Sem comentários: