domingo, fevereiro 16, 2014

MEMORIAL DO CONVENTO


2 quadras a um convento 2

Neste convento que uma rainha estéril pariu
nesta cidade de sacros privilégios
entre paredes transfiguradas de bafio
e sombras de caprichos régios

nesta mansão de bruxos e castrados
onde se vive da manha e do engano
há uma LINHA DE MONTAGEM de soldados
a produzir à média de 3000 ao ano.

 
Mafra, 1969

 
Nota:
Quadras provenientes do caderno agora exumado, esgalhadas entre Outubro e Dezembro de 1969. Um memorial do convento avant la lettre! Atente-se nos laboriosos cálculos do versejador ao referir a produção de 3000 soldados ao ano: 4 incorporações anuais no curso de oficiais milicianos, cada uma com cerca de 750 cadetes.
 

domingo, fevereiro 09, 2014

PINTURA ROMÂNTICA

JOÃO CRISTINO DA SILVA, Cinco Artistas em Sintra (1855), Museu do Chiado - MNAC
 Da esquerda para a direita: TOMÁS DA ANUNCIAÇÃO, FRANCISCO METRASS, VITOR BASTOS, CRISTINO DA SILVA e JOSÉ RODRIGUES. Tomás da Anunciação pinta, Cristino da Silva desenha. Os saloios, admirados, rodeiam o artista em actividade. Ao fundo, entre brumas, o Palácio da Pena. Este quadro tem sido apontado como um  manifesto da escola romântica: pintura ao ar livre, representação da beleza intacta da natureza, o povo retratado como assunto nobre.  


terça-feira, fevereiro 04, 2014

CADAVRE EXQUIS A SOLO


E entre a vigília e o repouso, quando a razão se lhe nublasse levemente, abertos ainda os olhos ou semicerrados, mas pesados, extáticos, imóveis, no escuro, então com ele, com o vento, viriam os fantasmas.
Primeiro foi o gato. Era cinzento e verde, mas com listas perfeitas e sedosas quais as dos tigres, mais intensas ainda, quase tão vivas como a plumagem de uma ave exótica. (…)
Apareceu depois o homem que ria. Tinha um riso azul na face, um grande riso cómico e medonho. (…)
Entretanto, surgia, mas sempre rápido, fugidiço, evanescente, o homem pássaro, sem rosto (…)
Por fim, a mulher informe, mais do que nunca encoberta, naquela noite, em seus véus de rosa-pálido.
URBANO TAVARES RODRIGUES, Bastardos do Sol, Amadora, Livraria Bertrand, 3ª edição revista, s/d, pp. 121 e 122.
 CÂNDIDO COSTA PINTO, Amor hiante (1942), Museu do Chiado - MNAC
ANTÓNIO DACOSTA, Episódio com um cão (1941), Museu do Chiado - MNAC

domingo, fevereiro 02, 2014

Ó SINO DA MINHA ALDEIA

Casa onde nasceu FERNANDO PESSOA e campanário da vizinha Basílica dos Mártires onde o poeta foi baptizado a 21 de Julho de 1888. O sino da sua aldeia?
(Fotos tiradas hoje)
 
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

FERNANDO PESSOA - Atena nº 3; Poesias, Lisboa, Edições Ática, 16ª edição, 1997, pp. 93 e 94.