sábado, agosto 10, 2013

MONTAIGNE - SOBRE A AMIZADE E O AMOR

A afeição para com as mulheres, embora nasça da nossa escolha, também não se pode equiparar à amizade. O seu fogo, confesso-o, é mais activo, mais forte e mais rude, mas é um fogo temerário,  inseguro, ondulante e vário; fogo febril, sujeito a acessos e intermitências e que só se apodera de nós por um lado. Na amizade, pelo contrário, o calor é geral, igualmente distribuído por todas as partes, temperado; um calor constante e tranquilo, todo doçura e sem asperezas, que nada tem de violento nem de possante.
(…) Quanto ao matrimónio, e o facto de ser um mercado em que só a entrada é livre, se considerarmos que a sua duração é obrigatória e forçada, e dependente de circunstâncias alheias à nossa vontade, obedece ordinariamente a fins bastardos; acontecem nele uma quantidade de acidentes que os esposos têm que resolver, os quais bastam para romper o fio da afeição e alterar o curso da mesma, enquanto na amizade não há nada que lhe ponha travões por ser ela própria o seu fim.
 
MICHEL DE MONTAIGNE, Ensaios, Lisboa, Amigos do Livro, s/d, pp. 154-156.

1 comentário:

Maria Amélia disse...
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