sábado, agosto 31, 2013

quinta-feira, agosto 29, 2013

NO SUSPEITO CONFORMISMO, poema leve com gatos

Gato de Mont-de-Marsan

Os poemas são poliedros do indizível, irregulares
volutas nas sombras parietais dos sonhos sonhados.
Por isso – e não por qualquer outra razão
mais ou menos válida – é que cada um vê neles
aquilo que muito bem quer ver:
planície ou montanha, ribeiro ou estuário, árvore
ou floresta. Já cheguei a pensar – mas isso
é algo de que muitas vezes me rio por não ser coisa
de levar a sério – que os poemas têm parecenças
com os gatos: felpudos e incertos, belos e perigosos,
fugidios moradores das nossas almas de donos
                                                              angustiados
no suspeito conformismo
de nos descobrirem sempre de maneira diferente.

29-8-2013

TANGO NA RUA

Esta noite, na estação do Cais do Sodré

terça-feira, agosto 27, 2013


Estou à beira do mar e espero sob este vento
que risca de cabeleiras brancas a superfície
das águas. Pergunto-me que frases,
que palavras devo dizer que não venham
nos dicionários informais do amor,
que gestos me devo permitir
para além dos imponderáveis acenos
ou dos cerrados encontros das mãos.
Esperarei como se não tivesse feito mais nada
desde o princípio dos tempos,
com o mesmo desejo de quem volta  
de uma longa viagem
e abre a porta de casa para morar num novo lugar
ou se abrigar no coração de alguém.

26-8-2013

 

segunda-feira, agosto 26, 2013

CENOTÁFIO DE GOYA

No Cimetière de la Chartreuse, em Bordéus. Entre outras inscrições, as seguintes: "Mort a Bordeaux en 1828" e "Le celèbre peintre a reposé en face a huit metres d' ici. Ses cendres ont été transportées a Madrid en 1899 et son tombeau a Saragosse en 1927."

domingo, agosto 25, 2013

A TORRE DE MONTAIGNE


"A primeira de todas as coisas deste mundo é saber pertencer a si mesmo. Já é tempo de nos desligarmos da sociedade, posto que nada podemos procurar nela, e a quem não pode emprestar, imponha-se o sacrifício de não pedir emprestado. Quando nos faltar alento, retiremo-nos e concentremo-nos. Aquele que puder deitar por terra, tirando-as das suas próprias forças, as obrigações da amizade e da sociedade, que o faça. No período de decaimento que converte o homem em ser inútil, pesado e importuno para os outros, livre-se de ser importuno para si mesmo, pesado e inútil. Curve-se e acaricie-se, e sobretudo governe-se, respeitando e temendo a sua razão, e a sua consciência até ao ponto em que não possa, sem que o seu poder sofra, tropeçar na presença delas."

MONTAIGNE, Ensaios

sábado, agosto 24, 2013

A VÉNUS COM CORNO

Baixo-relevo do paleolítico superior - Musée d´Aquitaine, Bordéus
 
Vénus com corno, do ventre inchado e rasgado
na sucessão natural dos compassos lunares.
Ubérrima mãe da humanidade nascente,
                                                 Eva sem pecado
– que artista te arrancou à pedra da gruta,
ao olvido glaciar dos profundos milénios?
Não nasceste das águas, como a dos panteões,
não geraste a linhagem de Eneias
de que nos fala o Mantuano no seu poema.
Deusa dum Olimpo sem deuses e arroubos épicos,
Citereia de carne e sangue,
                                                  minha avó e amante.
 
14-8-2013



sexta-feira, agosto 23, 2013

PONTE-CANAL DE AGEN

Ponte-canal de Agen (Lot et Garonne), 18 de Agosto de 2013. Os barquinhos passam sobre a ponte. Vem-me à memória um filme com Jean Gabin, de 1959: "Le baron de l´écluse".

quinta-feira, agosto 22, 2013

"CYRANO", de Edmond Rostand

Bergerac, 17 de Agosto de 2013
 
Um Cyrano histórico (1619-1655), cantado na comédia heróica de Edmond Rostand,  que na verdade não era de Bergerac, mas de Paris. Poeta, espadachim, mosqueteiro do rei, fidalgo insolente e extravagante, só para efeitos de nobilitação juntou ao seu nome o título "de Bergerac". A cidade ficou-lhe agradecida.

domingo, agosto 11, 2013

"CYRANO DE BERGERAC"

 
 
CYRANO:
Quem amo?... Pensa bem. A mim, é-me interdito
sonhar que me amem, pois nem a mais feia o pede,
que sempre um quarto de hora o nariz me precede;
Então, eu amo quem?... Mas já decerto viste!
Amo - mas é forçoso! - a mais bela que existe!
 
EDMOND ROSTAND, Cyrano de Bergerac, edição bilingue de Vasco Graça Moura, Lisboa, Bertrand Editora, 2007, p. 151. 




sábado, agosto 10, 2013

MONTAIGNE - SOBRE A AMIZADE E O AMOR

A afeição para com as mulheres, embora nasça da nossa escolha, também não se pode equiparar à amizade. O seu fogo, confesso-o, é mais activo, mais forte e mais rude, mas é um fogo temerário,  inseguro, ondulante e vário; fogo febril, sujeito a acessos e intermitências e que só se apodera de nós por um lado. Na amizade, pelo contrário, o calor é geral, igualmente distribuído por todas as partes, temperado; um calor constante e tranquilo, todo doçura e sem asperezas, que nada tem de violento nem de possante.
(…) Quanto ao matrimónio, e o facto de ser um mercado em que só a entrada é livre, se considerarmos que a sua duração é obrigatória e forçada, e dependente de circunstâncias alheias à nossa vontade, obedece ordinariamente a fins bastardos; acontecem nele uma quantidade de acidentes que os esposos têm que resolver, os quais bastam para romper o fio da afeição e alterar o curso da mesma, enquanto na amizade não há nada que lhe ponha travões por ser ela própria o seu fim.
 
MICHEL DE MONTAIGNE, Ensaios, Lisboa, Amigos do Livro, s/d, pp. 154-156.

quinta-feira, agosto 08, 2013

"POEMA PARA JULIANO O APÓSTATA"

Casa de Cultura MARIO QUINTANA, Porto Alegre, Outubro de 2012
No tempo dos deuses tudo
era simples como eles
e natural e humano
e eles reinavam no mundo.

Mas veio um deus usurpador e único
e tornou o mundo incompreensível
porque o seu reino não era deste mundo.
     
E até hoje ninguém soube por que então ele expulsou os outros
                                                                                       [deuses
e ficou reinando sozinho
e fez todos os homens pecarem
- coisa que eles jamais haviam feito antes -
porque pecar com inocência não é pecar...

E os homens conheceram o terror maravilhoso do pecado
- e assim o novo deus lhes trouxe uma volúpia nova.

MARIO QUINTANA

segunda-feira, agosto 05, 2013

CINCO HAICAIS* SOBRE BORBOLETAS


1
Amo as borboletas:
bolhas de luz, enganosas
setas coloridas.

2
Vão na direcção
do sol, roubam a ironia
a quem lhes resiste.

3
Amo as borboletas
de tetra e tântricas asas:
faúlhas de amor.

4
Borboletas são
as grandes violadoras
do sono dos justos.

5
Amo as borboletas
inda que não queira amá-las.
Amores fugazes.


*  Haicai: breve composição poética, de origem japonesa, que se funda nas relações profundas entre homem e natureza, nos conceitos de transitoriedade e fugacidade, obedecendo à estrutura formal de 17 sílabas métricas distribuídas em 3 versos (5-7-5).