segunda-feira, novembro 26, 2012

LA NIÑA BUENA


                      Rodolfo Castro, em grande nível.
   Autor do conto: Hector Hugh Munro "Saki" (1870-1916)

domingo, novembro 25, 2012

CONTADORES DE HISTÓRIAS

RODOLFO CASTRO, artista argentino, um rapsodo dos tempos modernos. Uma sessão das suas incríveis narrações teve lugar na passada sexta-feira na Biblioteca Municipal de Oeiras. Não perder a próxima: Cinema São Jorge, Festival da revista LER, quarta-feira, 5 de Dezembro, às 22 horas.

quinta-feira, novembro 15, 2012

"O MELHOR POVO DO MUNDO"

Fotos DN
O povo de brandos costumes, uma invenção do salazarismo recentemente recuperada pelo inefável Vítor Gaspar, é capaz de coisas como as que ontem se viram nas imediações do parlamento. Não era isto que este governo de Vichy queria mostrar à ocupação estrangeira, e daí a atrapalhação, as loas à polícia, a pressa inusitada com que veio declarar a inocência da Intersindical.
Não adianta reduzir o sucedido às proporções do crime vulgar, diabolizar os poucos que provocaram e atiraram pedras, incendiando  e transformando uma zona de Lisboa em cenário que faz lembrar a revolta popular de Londres em 2011. O mal não está nesses por enquanto ainda poucos desesperados, mas nas políticas em curso que geram o desemprego e arruínam a esperança.
Tenham cuidado os Miguéis de Vasconcelos que nos governam que este povo não é brando e coisas piores podem vir a acontecer. Inquisidores, bandidos, regicidas e torcionários – temos de tudo isso no nosso sangue.

sexta-feira, novembro 09, 2012

FRAU EUROPA E OS SEUS TÍTERES

Lisboa, Amoreiras, Av. Conselheiro Fernandes de Sousa. Fotografia tirada hoje. Trabalho realizado pelos artistas Nomen, Slap e Kurtz em 20 e 21-10-2012.

quinta-feira, novembro 08, 2012

Johannes Brahms: Symphony N. 4, Allegro non troppo (1)


"Durante a escrita das numerosas versões de A Maçã  no Escuro, a autora [Clarice Lispector] ouviu até à exaustão a Quarta Sinfonia de Brahms, número que se exprime no livro como símbolo do mundo criado e de vida"

Da contracapa da edição Relógio d´Água, 2000.

VOU LENDO

Quando ela era menina, por pura tendência à subtileza e à fraqueza, dissera a um menino de quem gostara: «vou lhe dar uma pedra que encontrei no jardim» – e ele entendera que ela gostara dele, tanto que lhe dera em troca uma caixa de fósforos com um biscoito dentro.
(…)
Seus motivos de desejá-lo eram os de uma mulher que deseja amor – o que lhe parecia terrivelmente subtil. E como se não bastasse esse motivo estranho, ela o entrelaçara com um motivo mais subtil ainda: o de se salvar – que é certo ponto que o amor às vezes atinge.
(…)
 – Olhe esta samambaia! disse ela para o homem porque uma pessoa não pode dizer «eu te amo».
 
CLARICE LISPECTOR, A Maçã no Escuro, segunda parte, capítulo 6, pp. 155 e 156.

A BEGÓNIA


Agora que ela partira e só por raras cartas recebia notícias suas, doía-lhe que nunca lhe falasse da begónia, a planta que ambos criaram com um misto de carinho e sobressaltado encanto. Não compreendia como se pudera apagar do passado o milagre daquele pequeno ser que juntos viram crescer, ganhando o direito à vida, e que não raro os encheu de cuidados e lhes tirou o sono.
Trouxeram-na para casa num Inverno distante, como que adormecida, o pequeno vaso de plástico vestido de um jornal velho, as folhas redondas e miúdas espreitando sobre as letras machucadas que compunham notícias antigas, já sem préstimo.
Deixaram-na ao lado da televisão, exposta às destemperadas radiações de telejornais e reality shows, e a frágil planta ressentiu-se. Tempos depois, os caules que sustentavam as folhas vacilavam nas suas disposições orgânicas, via-se que a pobre estava em sofrimento, e eles lançaram-se a pesquisar em livros de botânica o remédio para o inesperado mal. Transferiram a planta para um vaso de barro, adubaram e regaram, vigiaram os efeitos nocivos de ácaros e fungos, e, como a Primavera tivesse então chegado, instalaram-na na varanda, recebendo o calor renascente do novo ciclo cósmico. Salvou-se.
Pensavam na begónia como se de um filha se tratasse. Amavam-na, falavam com ela mesmo durante aquelas fases em que cada vez menos falavam entre si, e viam-na já como uma planta adulta, uma árvore florida sobrepujando as diminutas proporções dos seus progenitores adoptivos. Eram uns pais felizes.
Depois ela foi-se embora e levou a begónia. E nunca mais lhe falou da planta, como se exclusivamente lhe pertencesse e nada tivesse que fosse de outrem. Ele ainda insinuou, uma vez, na correspondência que espaçadamente mantinham, que a filha era de ambos, que os dois a tinham criado e protegido nos transes mais difíceis da sua lenta progressão vital. Porém, as cartas que recebia continuavam a falar apenas de assuntos práticos e  tangíveis, como partilhas e outras disposições legais, não da begónia que parecia nunca ter existido nas suas vidas. 
Uma vez encheu-se de coragem e foi espreitá-la, manhã cedo, para não ser surpreendido pela vizinhança, sob a nova varanda em que vivia. Deu com uma planta alta, assim como uma mulher jovem e muito senhora de si, mas fosse pela distância que ia do chão ao segundo andar, ou talvez pela hora tão matinal em que só algumas plantas estão já completamente acordadas, juraria que ela não o havia reconhecido. Estava rodeada de companheiras, novas plantas cheias de cor, algumas em flor, que deviam encher-lhe os dias de juvenil satisfação. Queria lá ela saber daquele senhor de quem nem sequer recordava o nome.
Isto foi o que sentiu, e por isso logo se retirou, sem reparar que uma pequena folha, verde como só uma pequena folha sabe ser, se desprendia do caule e caía, tocada por um vento leve, sobre a calçada a que virava costas.
Seguiu o seu caminho, desolado e pensativo. Talvez na próxima carta, se houvesse uma próxima carta, chegassem notícias daquela begónia que nunca deixaria de amar. E neste pensamento se alegrou a manhã, subitamente bela como uma maçã mordida, um sonho na madrugada ou a memória feliz de um tempo antigo.

terça-feira, novembro 06, 2012

domingo, novembro 04, 2012

RETRATO DE VIDA COM NARCISO AO FUNDO

Dominava-o uma espécie de dislexia dos fonemas
do amor e por isso se acomodava ao fulgor
dos silêncios, à morosa retórica dos actos falhados
que a psicanálise tão bem explicou.
Era um solitário entre penhascos povoados,
um viajante que não conhecia a viagem.
Pensa agora que se pudesse recomeçar separaria
o afecto do orgulho e saberia distinguir
o viço de uma folha de árvore de um galho seco da mesma.
Mas isso é o que pensa e só diz nas escritas de água
com que se paramenta. Na prática,
faz como o filho de Cefiso e Liríope:
debruça-se no regato do seu ego
e continua a amar-se.