domingo, agosto 26, 2012

CANCIONEIRO DE JOSÉ RAFAEL (14)


Destapo a caixa do amor com o sobressalto de quem mexe
no mais inseguro dos objectos. Não sei o que tem dentro,
nunca soube, mesmo naquele tempo em que a tua boca
corria o meu corpo e as noites não prenunciavam
nenhum gume de sombra. Reinvento, pois, o amor:
caixa de Pandora com os seus ventos demolidores
e as suas praias violentas de ternura e cio,
ou sémen de palavras apetrechadas de asas
com os olhos glaucos  duma deusa ao fundo?
Faço por acreditar na sua verosímil bondade
com a mesma força com que se acredita numa pedra
ou num fruto. Mas não estou seguro de nada. Apenas
sei do corpo com que me encontro e do cerco de luz
que não ouso romper.

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