terça-feira, agosto 28, 2012

CIÊNCIAS OCULTAS - OS MAGOS

Os magos das ciências ocultas da Economia estão de novo em Lisboa. O que é que falhou nas cartas (ou nos búzios?) dos videntes da troika para que a receita fiscal tenha sido diminuída em 3 mil milhões de euros?  O insuspeito Adriano Moreira já veio falar de “fadiga tributária”, e na universidade de Verão dos jotinhas  lembrou as quatro onças de ouro que D. Afonso Henriques prometeu pagar ao Papa, mas que, na realidade, nunca pagou. Uma mensagem velada para tão esclarecidos jovens?  Se a incompetência governamental e as ilusões neoliberais pagassem imposto, Gaspar e Coelho seriam políticos bem sucedidos porque o país teria um saudável superavit orçamental. Assim…

UM SONETO DE ANTERO - "IDEAL"

Aquela, que eu adoro, não é feita
De lírios nem de rosas purpurinas,
Não tem as formas lânguidas, divinas
Da antiga Vénus de cintura estreita...

Não é a Circe, cuja mão suspeita
Compõe filtros mortais entre ruinas,
Nem a Amazona, que se agarra às crinas
D'um corcel e combate satisfeita...

A mim mesmo pergunto, e não atino
Com o nome que dê a essa visão,
Que ora amostra ora esconde o meu destino...

É como uma miragem, que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solidão,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo...

segunda-feira, agosto 27, 2012

SONETOS

Café Snack-Bar SONETOS, na mesma rua de Vila do Conde onde Antero de Quental residiu entre 1881 e 1891. A poesia também se escreve nos toldos publicitários dos estabelecimentos.

domingo, agosto 26, 2012

CANCIONEIRO DE JOSÉ RAFAEL (14)


Destapo a caixa do amor com o sobressalto de quem mexe
no mais inseguro dos objectos. Não sei o que tem dentro,
nunca soube, mesmo naquele tempo em que a tua boca
corria o meu corpo e as noites não prenunciavam
nenhum gume de sombra. Reinvento, pois, o amor:
caixa de Pandora com os seus ventos demolidores
e as suas praias violentas de ternura e cio,
ou sémen de palavras apetrechadas de asas
com os olhos glaucos  duma deusa ao fundo?
Faço por acreditar na sua verosímil bondade
com a mesma força com que se acredita numa pedra
ou num fruto. Mas não estou seguro de nada. Apenas
sei do corpo com que me encontro e do cerco de luz
que não ouso romper.

domingo, agosto 12, 2012

REINALDO FERREIRA (1922-1959)


Se eu nunca disse que os teus dentes
Se eu nunca disse que os teus dentes
São pérolas,
É porque são dentes.
Se eu nunca disse que os teus lábios
São corais,
É porque são lábios.
Se eu nunca disse que os teus olhos
São d'ónix, ou esmeralda, ou safira,
É porque são olhos.
Pérolas e ónix e corais são coisas,
E coisas não sublimam coisas.
Eu, se algum dia com lugares-comuns
Houvesse de louvar-te,
Decerto que buscava na poesia,
Na paisagem, na música,
Imagens transcendentes
Dos olhos e dos lábios e dos dentes.
Mas crê, sinceramente crê, 
Que todas as metáforas são pouco 
Para dizer o que eu vejo. 
E vejo lábios, olhos, dentes. 

(Poemas, 2ª edição, Lisboa, Portugália Editora, 1962, com um estudo de José Régio)

LUÍSA COSTA GOMES (1954)

Dizem que tem mau feitio e os leitores queixam-se de nem sempre conseguirem compreender aquilo que escreve. Por mim não tenho reclamações a apresentar. Aconselho a leitura de Império do Amor.

MENTINDO

A primeira imagem que dela guardo é leve como a da ave que inicia o voo: umas sandálias com atilhos que subiam até meio das pernas, a saia de tecido bordado, uma blusa sob cujo pano apontava, numa promessa oculta, o relevo de sombra dos bicos dos seios. Tinha dentes, lábios e olhos que eram apenas dentes, lábios e olhos, e não pérolas, corais e esmeraldas, porque, como pode ser lido num poema de Reinaldo Ferreira, coisas não sublimam coisas e não há metáforas que cheguem para exprimir a beleza daquilo que vemos.
Para mim, foi sempre uma desconhecida. Nunca consegui saber o género de música de que mais gostava, o metal das suas paixões. De livros, sim, acho que sei: folheava “Paroles” de Jacques Prévert e lia interminavelmente as novelas de Camilo. Mais tarde, muito mais tarde, acolheu-se a uns livrinhos de capa dura sobre rebirthing, uma disciplina talvez esotérica, e começou a pesquisar na Internet sobre pompoarismo, tanto quanto julgo saber uma espécie de demanda tântrica do inverosímil  ponto G.
Uma vez descobri num conto de Luísa Costa Gomes o sentido oculto dos palíndromos, significantes que podem ser lidos da frente para trás ou de trás para a frente sem que o seu significado se altere: “Oír ese Río”. Cheguei a vê-la como um palíndromo muito fácil de ler, mas isso era o que eu julgava. Percebi depois que ela iludia sempre as minhas espertezas de leitor batido: metia mais umas letras ou umas sílabas no conformismo lívido dos sintagmas, assim como se fosse o brinde ou a fava do bolo-rei, e eu treslia.
Na pior das minhas fases escrevi contos alucinados em que a dava como louca, mitómana e devassa. Noutros, mais sensatos, ou talvez simplesmente ingénuos, lamentei que chegasse tarde a casa e não me desse qualquer explicação, que fosse distante e fria, e tivesse amizades secretas como as adolescentes têm diários e namoros de praia. Enchi então centenas de páginas a seu respeito, mais sobre o que dela nunca soube do que o que sabia ou julgava saber. À força de não a conhecer foi para mim uma prodigiosa fonte de efabulação: todas as minhas ficções passavam por ela, como um rio passa sempre pelas suas margens.
Agora que me morreu e nada mais conservo que a sua memória, os retratos e uma urna de cinzas no armário da sala, sou obrigado a repensar toda a minha forma de escrever. –  Menos efabulação e mais detalhes do real são os caminhos que terei de seguir.
Sei que vou ter outras oportunidades, pois o tempo dá-nos couraças e levanta-nos sempre do chão. Poderei então escrever com sinceridade, dando às palavras o significado exacto do que é pensado e sentido. Até lá, enquanto a crise não passar, vou-me ficando pelas histórias do costume. Mentindo.

sexta-feira, agosto 10, 2012

DÍSTICOS PARA FUTURAS HISTÓRIAS DE EDIFICAÇÃO MORAL - o quarto e último

Mentia quase sempre por omissão, e raramente por afirmação.
A mentira era nela uma arte suprema e especiosa, assim como um soneto barroco ou uma pintura de Miró.

quinta-feira, agosto 09, 2012

DÍSTICOS PARA FUTURAS HISTÓRIAS DE EDIFICAÇÃO MORAL - o terceiro

Trocou o pobre pelo rico, à espera de mesa farta e de lençóis de seda.
Foi desprezada pelo rico, e agora anda à procura de outro pobre que lhe dê consolo.

DÍSTICOS PARA FUTURAS HISTÓRIAS DE EDIFICAÇÃO MORAL - o segundo

Por des-graça do corpo ou perfeição da alma, não beneficiara do santo sacramento do matrimónio.
Como compensação, ungiu-se da missão de casamenteira: favorecer e organizar entre as pessoas do seu círculo muitas e boas uniões católicas.

quarta-feira, agosto 08, 2012

DÍSTICOS PARA FUTURAS HISTÓRIAS DE EDIFICAÇÃO MORAL - o primeiro

Serviu-se das relações amorosas para triunfar na vida, o que poderá ser visto como sinal de desonestidade.
Numa coisa, porém, foi sempre honesta: nunca abriu uma nova relação sem fechar a anterior.

domingo, agosto 05, 2012

LAOCOONTE

"Laocoonte", pintado por El Greco, c. 1610. National Art Gallery, Washington.
Em vão alertou os troianos para os perigos do cavalo de madeira deixado pelos gregos diante das muralhas de Tróia. Um justo trucidado por um deus cruel.

sábado, agosto 04, 2012

CLÁSSICOS

Grupo escultural - "Laocoonte e seus Filhos" - cuja autoria foi atribuída por Plínio a escultores de Rodes. Segunda metade do século I a.C. Museu do Vaticano.
Laocoonte, a quem a sorte dera
ser então sacerdote de Neptuno,
imolava em altar, o mais sagrado,
um fortíssimo touro. Mas de Ténedo,
pelas extensas águas do mar calmo,
vêm duas serpentes espantosas,
e com que horror te conto o que ali houve,
serpentes que se alongam nos abismos
e parelhas avançam para a margem;
de peito levantado sobre as vagas,
de sangrenta cabeça sobre as ondas,
o corpo lhes desliza pelo mar
numa ondulada força de seus dorsos.
Virgílio, Eneida, Livro II, tradução do latim de Agostinho da Silva.

Desireless, artiste voyageuse

quarta-feira, agosto 01, 2012

ÁRCADES

Os Gregos e os Latinos, que dia e noite não devemos largar das mãos, estes soberbos originais, são a única fonte de que manam boa odes, boas tragédias e excelentes epopeias.
Correia Garção - nome arcádico: Córidon Erimanteu - (Lisboa, 1724 - ib., 1772), Dissertação Terceira.