quinta-feira, outubro 29, 2009

A SURPREENDENTE E SEMPRE PROVEITOSA LEITURA DOS DIÁRIOS


Portalegre, 18 de Maio de 1953

Acabo de acompanhar ao cemitério, e de a fechar no seu caixão, a velha Lúcia, que me serviu durante quinze anos. Era casada, vivia com o marido e os filhos, e vinha todos os dias fazer-me o serviço de casa. Deixou-me há cerca de dois anos, por já não poder trabalhar. Vinha visitar-me de vez em quando, e continuava muito pegada a este casarão. Mulher dos velhos tempos, com um profundo sentido de honestidade, e dignidade na sua pobreza. Como eu lhe dava alguma coisa quando me visitava, acanhava-se de vir só por isso. Algumas vezes fui duro para com ela. Obrigava-a a levantar-se bastante cedo, fosse Verão ou Inverno, para me vir servir o pequeno-almoço à cama. Nos últimos tempos, sobretudo de Inverno, era-lhe isso penoso; e eu sabia-o, mas pouco a poupava. Estimava-a sinceramente, no entanto. Por sua vez, ela era-me profundamente dedicada, tinha-me um grande respeito, e até na morte falou em mim e na minha casa.


JOSÉ RÉGIO, Páginas do Diário Íntimo, Lisboa, IN-CM, 2004, p. 249.

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