terça-feira, setembro 29, 2009

DEIXEM-ME CONSPIRAR!

Declaração do P.R., hoje, às vinte horas:

- A mais desonesta, demagógica e mistificadora declaração política produzida por um presidente da república no nosso regime democrático
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domingo, setembro 27, 2009

ESCAPOU

Nem sempre governou com acerto, incompatibilizou-se com vastos sectores sociais, teve contra si os representantes dos patrões e dos trabalhadores, e deixou por cumprir algumas importantes promessas eleitorais – mas não perdeu!

Como se explica isto?

Quanto a mim, por três ordens de razões:

PRIMEIRA: Apesar dos erros cometidos e da marca de classe das suas políticas, deixou passar uma imagem de quem estava a fazer o melhor que podia. Podem acusá-lo de tudo, mas não de ter sido um governante apagado e conformista. Demonstrou atitude, tomou medidas e tentou uma política reformista em diferentes áreas.

SEGUNDA: Beneficiou com a recessão económica internacional. Por um lado protegeu-o, ao dar-lhe uma justificação para o incumprimento dos objectivos económicos do seu programa; por outro, permitiu que surgisse ao eleitorado como a opção mais credível para continuar a enfrentar a crise: perante uma situação aflitiva, não se muda abruptamente de timoneiro.

TERCEIRA: Com as “campanhas negras” que lhe moveram – e que, como se viu, vieram de todos os lados, inclusive da presidência da república – acabou por despertar simpatias mesmo fora do seu eleitorado natural. Se houve quem desse crédito a tudo o que de mau sobre ele se disse, houve também quem achasse desproporcionados, improváveis e maliciosos os conteúdos das sucessivas acusações que lhe foram sendo feitas.

Deixou fugir a maioria absoluta. Vai ser obrigado a fazer compromissos, não se sabe muito bem como e com quem, e é de crista murcha que vai entrar no novo ciclo político. Porém, para quem, há poucas semanas, estava praticamente morto e enterrado, os resultados ora obtidos só podem saber a vitória.

quarta-feira, setembro 23, 2009

ÁLVARO DE CAMPOS




Ai, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que farias tu com ela?
– Tirava os brincos do prego,
Casava c’um homem cego
E ia morar para a Estrela.

Mas, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que diria tua mãe?
– (Ela conhece-me a fundo)
Que há muito parvo no mundo,
E que eras parvo também.

E, Margarida,
Se eu te desse a minha vida
No sentido de morrer?
– Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.

Mas, Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fosse senão poesia?
– Então, filho, nada feito,
Fica tudo sem efeito.
Nesta casa não se fia.

(Comunicado pelo Engenheiro Naval Sr. Álvaro de Campos em estado de inconsciência alcoólica.)

ASFIXIA


Tanto falou de asfixia que está mesmo a ficar asfixiada. Agora que Cavaco lhe cortou o oxigénio, é um caso com prognóstico reservado.

sábado, setembro 19, 2009

PAULA REGO e "O Crime do Padre Amaro"

Amaro era, como diziam os criados, um “mosquinha morta”. Nunca brincava, nunca pulava ao sol.
(…) Tornou-se muito medroso. Dormia com lamparina, ao pé de uma velha ama. As criadas, de resto, feminizavam-no; achavam-no bonito, aninhavam-no no meio delas, beijocavam-no, faziam-lhe cócegas, e ele rolava por entre as saias, em contacto com os corpos, com gritinhos de contentamento. Às vezes, quando a senhora marquesa saía, vestiam-no de mulher, entre grandes risadas; ele abandonava-se, meio nu, com os seus modos lânguidos, os olhos quebrados, uma roseta escarlate nas faces.

Eça de Queiroz, O Crime do Padre Amaro, Lisboa, Livros do Brasil, s/d, pp. 35 e 36.

sexta-feira, setembro 18, 2009

REPÚBLICA DAS BANANAS

Estarão recordados de como Cavaco Silva chegou a presidente do PSD em Junho de 1985. Enfastiado da monotonia de Lisboa, viajou até ao congresso da Figueira da Foz para fazer a rodagem do carro que acabara de comprar. Só que entrou como militante de base e saiu como líder. Uns meses mais tarde seria primeiro-ministro, lugar que ocupou durante dez anos.
Hoje é presidente da república e tudo indica que se tenha servido de um jornal para construir uma intriga política. Teve tempo suficiente para investigar a vigilância que alegadamente lhe era movida pelos serviços secretos. Poderia ter confrontado o primeiro-ministro com as suas suspeitas, poderia ter accionado os órgãos de fiscalização, mas não, preferiu passar uma informação confidencial ao jornal de Belmiro de Azevedo e fazer rebentar a bomba em vésperas de eleições. Hoje descobriu-se-lhe a careca.
Cavaco Silva não é uma personalidade isenta e acima da esfera dos partidos, como é requerido pela função que exerce. Admite-se que esteja farto de coabitação e que bem gostasse de ter no governo a sua correligionária Manuela Ferreira Leite, mas não pode agir segundo modelos típicos de uma qualquer república das bananas. Seja qual for o resultado das presentes eleições, acho que não merece o segundo mandato. Espero bem que o perca!

segunda-feira, setembro 14, 2009

MARIDOS













Li ontem na internet a entrevista concedida por Judite de Sousa ao "Expresso":

P: José Sócrates também nunca foi muito simpático consigo nas entrevistas que lhe deu. Sabe qual é a razão?
R: É por causa do meu marido. Há muito sectarismo e mesquinhice na política. Sou jornalista há 30 anos. Já era a Judite de Sousa antes de ser casada com Fernando Seara. Não admito que ponham em causa o meu profissionalismo e a minha independência por estar casada com um político.

Ainda impressionado com tão extraordinária resposta, ouvi hoje na Antena 1 a entrevista a Sócrates conduzida por Maria Flor Pedroso. O chefe do governo agastou-se várias vezes com as perguntas da jornalista, e, verdade seja dita, não foi muito simpático com ela. Pergunto: alguém me poderá dizer quem é o marido de Maria Flor Pedroso?

quinta-feira, setembro 10, 2009

À MEMÓRIA DE FERNANDO PESSOA (poema de António Boto)

Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão -
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas,
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio de descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias-
Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma intriga: as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver -
Sem estímulo, sem fé, sem convicção...

Poetas, escutai-me. Transformemos

A nossa natural angústia de pensar -
Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!



António Boto, Canções - Poema de Cinza, Lisboa, Edições Ática, 1975.

quarta-feira, setembro 09, 2009

ANTÓNIO BOTO (1897-1959)


Fernando Pessoa falou dele como sendo o único poeta português a quem podia aplicar-se, sem dissonância, a designação de esteta (Revista Contemporânea, 1922). José Régio foi pelo mesmo caminho, elevando-o aos píncaros da excelência no ensaio António Boto e o Amor (1938).
Porém, o apreço literário que lhe era dispensado pelos seus pares não encontrou correspondência no juízo que dele tinham como homem e ser social. António Boto era vaidoso, desleal, sempre disposto à mentira e à intriga. Conta João Gaspar Simões (Retratos de Poetas que Conheci, 1974), ter em tempos recebido uma carta assinada por um desconhecido “Mário” que rezava assim:

Então o sr. não sabe que na moderna poesia portuguesa há só três poetas geniais? Não sabe quem são? Pois eu lhe digo:
Fernando Pessoa
António Botto
José Régio.
Já sabe agora? O resto é merda, como você.

Almada Negreiros dava-lhe o epíteto de serpente, e mesmo José Régio não o poupou nos volumes As Monstruosidades Vulgares (1960) e Vidas São Vidas (1966) do ciclo romanesco A Velha Casa, projectando os seus ademanes e idiossincrasias na personagem desprezível do poeta João Salvador.
Apesar da infelicidade de alguns escritos como, por exemplo, Fátima – Poema do Mundo com o inenarrável soneto de louvor ao cardeal Cerejeira (Rio de Janeiro, 1955), foi artista que deixou obra. É assim, ninguém é perfeito.