domingo, setembro 07, 2008

A IMPERTINÊNCIA DE SENTIR ( VIII )

Marguerite Yourcenar confessa ter saboreado em Anna, Soror… , pela primeira vez, o supremo privilégio do romancista, o de se perder inteiramente nas suas personagens, ou de se deixar possuir por elas.
Vinte e dois anos tinha a escritora quando viveu a paixão dos irmãos Anna e Miguel. Como pano de fundo, uma Nápoles da Contra-Reforma povoada de Sextas-Feiras Santas e de Cristos de gesso, um ambiente de penumbra e drama digno dos pincéis de Caravaggio.
Discorrendo sobre o tema do incesto, diz-nos a autora no seu posfácio a Anna, Soror…: (…) o facto de se pertencer a dois clãs inimigos, como Romeu e Julieta, raramente é sentido nas nossas civilizações como um obstáculo intransponível; o adultério banalizado perdeu, além disso, muito do seu prestígio graças à facilidade do divórcio; o amor entre duas pessoas do mesmo sexo saiu em parte da clandestinidade. Só o incesto continua a ser inconfessável e quase impossível de provar, mesmo onde suspeitamos que exista. É contra as falésias mais abruptas que mais violentamente se lança a vaga.
É isso. A vaga só é branda nas planuras da praia. Não tolera o desafio dos rochedos nem as escarpas dos sentimentos.

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